Introdução
Sansão foi um líder em Israel durante um período em que a nação não tinha rei nem um governo institucional. A nação era regida pela Lei, regulamentada por Moisés, com princípios morais, cívicos e religiosos, tendo como base os Dez Mandamentos, dos quais o primeiro e mais importante era: “Não terás outros deuses diante de mim” (ou formulações similares). Sob a supervisão e orientação da classe sacerdotal, que intermediava a relação entre Deus e a nação, Deus governava Israel como Rei. Uma frase recorrente no livro de Juízes é: “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada um fazia o que lhe parecia certo”.
Sempre que Israel desobedecia, sobretudo ao primeiro e mais importante dos mandamentos, sofria intervenções terríveis de outras nações, além de fome e pestes. Mas, quando o povo se arrependia e clamava por socorro, Deus levantava líderes, por meio dos quais concedia livramento. Esse período na história da nação de Israel é descrito como o período dos juízes, registrado no livro de mesmo nome, e começou após a morte de Josué, estendendo-se até Samuel, que iniciou a monarquia com o reinado de Saul. Sansão, natural da região de Soreque, da tribo de Dã, filho de Manoá, foi um desses líderes, o penúltimo desse período, precedendo Samuel. Sua história está registrada nos capítulos 13 a 16 do livro de Juízes; Sansão também é mencionado na Epístola aos Hebreus 11:32, texto que faz referência aos heróis da fé.

O nascimento especial
O nascimento de Sansão foi predito por um anjo, que se apresentou àquela que viria a ser sua mãe, até então estéril, com recomendações pré-natais específicas e observações que Sansão deveria obedecer durante toda a sua vida como nazireu (consagrado a Deus por voto), a saber: não tomar bebida fermentada, não comer alimentos tidos como impuros e não cortar o cabelo. Sansão liderou Israel durante 20 anos. O aspecto peculiar de Sansão era a força física sobre-humana, da qual ele tinha controle e fazia uso voluntário e espontâneo em situações que julgava necessárias. Mas é importante salientar que Sansão foi dotado por Deus, desde o nascimento, para um propósito específico: livrar a nação da opressão em que Israel se encontrava. Sansão nasceu com uma missão.
Virtudes desproporcionais
É evidente que a inteligência de Sansão era extremamente desproporcional à sua força, e ele parece não ter tido consciência de sua missão. Suas desventuras pessoais estão ligadas às mulheres, a ponto de se casar com duas estrangeiras, uma desobediência direta aos mandamentos de Deus, que, no entanto, propiciou a Deus a oportunidade de exercer juízo contra os filisteus. Sansão afronta os filisteus por questões pessoais (ao incendiar suas plantações; ao matar três mil deles sozinho; ao arrancar os portões da cidade filisteia). Ao mesmo tempo em que passa a ser visto como uma ameaça por eles, não é reconhecido como líder por Israel.
A falta de postura e atitude de liderança também levou o povo a não o reconhecer como tal. Envolvido com Dalila, que o traiu, é difícil definir a mentalidade e o caráter de Sansão: presunção, orgulho, vaidade, ingenuidade… No contexto, tudo pode ser resumido a irresponsabilidade. Sansão quebra o voto repetidamente, o que deveria servir-lhe de advertência. Ele não perde por se envolver com estrangeiras nem por revelar detalhes do voto, mas pela forma negligente com que tratou a missão a ele atribuída. Sansão sofre as consequências de sua própria insensatez.
Considerando que ele nasceu e foi capacitado para um propósito específico, com a perda deste, perde-se também a razão de sua existência. Sansão parece não ter tido consciência ou ter se esquecido de sua real missão; suas vontades pessoais e egoístas o impediram de enxergar além de si, o que fica explícito até mesmo em suas últimas palavras em oração: “Dá-me força mais uma vez para que eu me vingue dos meus dois olhos”. Nessas palavras, percebe-se que o dom era considerado “dele”, para seus próprios interesses, não para servir a Deus e à nação. Sansão já estava cego espiritualmente antes de perder os olhos físicos.
Ao responder à última oração de Sansão, Deus demonstra que a força reside na aliança com a nação. A história de Sansão termina com sua morte, juntamente com três mil filisteus e todos os líderes daquela nação. Sansão é um personagem especial e polêmico: especial por ter nascido com uma missão e polêmico porque, para muitos, parece um herói que falhou, pois não se portou de forma condizente com a responsabilidade que sua missão exigia. Ele sabia que nasceu com uma missão, que era um homem incomum; a unção o tornava incomum. No entanto, o compromisso que lhe foi dado exigia atitudes e comportamentos que o diferenciassem dos demais.
A história de Sansão é um ensinamento, uma advertência. Todo cristão é, em certo sentido, um Sansão, sujeito à vaidade e a anseios pessoais; todo cristão teve um “nascimento” especial, milagroso, com um propósito específico, uma missão, uma função a desempenhar. A unção que capacitou Sansão também capacita o cristão, o que também o torna incomum em relação ao mundo de pecado e exige de cada cristão atitudes e comportamentos condizentes com o propósito de Deus. O cristão precisa se conscientizar de que os propósitos de Deus não se restringem a “nós”, mas transcendem o que podemos ter ou ser, o alcance de nossos olhos, o que julgamos necessário e importante. Sem buscar a direção de Deus, corre-se o risco de agir como os israelitas de Juízes: “fazendo o que lhes parecia certo”. A falta de comprometimento com a vontade de Deus pode nos impedir de enxergar a necessidade do próximo, conduzir o cristão a interesses e realizações pessoais, tornando-o egoísta e distanciando-o do “por que” e “para que” estamos aqui, cegando-o para as questões espirituais. Deus aplicou juízo aos filisteus mesmo quando Sansão utilizou o dom por questões pessoais. A força de Sansão não residia em seus cabelos, mas na aliança representada por eles. Não nos iludamos com os resultados de nossos dons. Assim como com Sansão, a aliança foi firmada por iniciativa de Deus – Ele nunca quebra aliança! Sansão morreu relativamente jovem e não deixou filhos. A vontade soberana de Deus sempre prevalecerá, mas Ele quer nos abençoar nesse processo. Os dons e talentos não garantem comunhão; a comunhão, sim, garante bênção e prosperidade. Aprendamos com Sansão, que deixou de experimentar o melhor que a comunhão com Deus poderia proporcionar por causa de prazeres pessoais e passageiros.
